Sardinhas escabechadas sobre focaccia de alecrim (Foto de João Lombardo)
Sardinhas são saborosas e geram receitas deliciosas. Infelizmente não costumo ver, nos restaurantes chamados de alta gastronomia brasileiros, pratos com esse peixinho azul prateado de sabor intenso, rico
em boas gorduras. Uma estrela da cozinha popular brasileira, sem dúvida. Um clássico além mar, em países europeus como Portugal e Itália. No entanto, um nome que não se vê em cardápios de restaurantes ao lado do linguado, robalo, garoupa, atum, salmão e tantos outros peixes ditos nobres.
A propósito, não sei qual a linha utilizada como parâmetro para dividir produtos entre nobres e menos nobres, de primeira e de segunda. Acredito haver produtos para situações e preparos diferentes. Não se leva um linguado para a brasa porque ele pode se desfazer sobre a grelha. E seu sabor, delicado, ficará ofuscado pelas notas tostadas da brasa. Isso já não acontece com as sardinhas, cujo sabor, mais encorpado, e textura firme são propícios para a brasa. Portanto, eu não escolheria um linguado para levar à brasa (o que não quer dizer que alguém não possa fazê-lo). Ficaria com as sardinhas.
Comi sardinhas em momentos e situações diferentes, em Portugal. Um delas foi há dois anos, numa tarde, num vilarejo próximo ao Porto. Uma família preparou sardinhas na brasa para mim e outros colegas, emviagem enogastronômica por Portugal. Um preparo regado a vinho Verde, servido em copo de plástico branco, acompanhado de broa de milho. Foi uma tarde particular, animada por música e danças folclóricas apresentadas pela família e moradores. Tudo numa praça, próximo a uma pequena ponte romana. Inesquecível para o paladar e para a alma.
Ano passado provei um prato de sardinhas preparado pelo premiado chef português Alexandre Silva, primeiro vencedor do Top Chef Portugal, então à frente dos restaurantes Bocca e Bica do Sapato, dois endereços referenciais para se comer em Lisboa. Foi no Mercado da Ribeira, um espaço gastronômico, também em Lisboa, onde renomados chefs oferecem pratos descontraídos e elegantes, ao lado de lanchonetes, sushi-bar e outros pequenos restaurantes. Silva preparou um prato de sardinhas marinadas (como no ceviche), servidas com broa de milho e salada. Uma receita bem idealizada, com apresentação contemporânea. Um preparo com sabor digno da chamada alta gastronomia. O chef confessou-me que as sardinhas são seu ingrediente preferido na cozinha portuguesa.
A propósito, não sei qual a linha utilizada como parâmetro para dividir produtos entre nobres e menos nobres, de primeira e de segunda. Acredito haver produtos para situações e preparos diferentes. Não se leva um linguado para a brasa porque ele pode se desfazer sobre a grelha. E seu sabor, delicado, ficará ofuscado pelas notas tostadas da brasa. Isso já não acontece com as sardinhas, cujo sabor, mais encorpado, e textura firme são propícios para a brasa. Portanto, eu não escolheria um linguado para levar à brasa (o que não quer dizer que alguém não possa fazê-lo). Ficaria com as sardinhas.
Sardinhas na brasa, deliciosamente tostadas (foto de João Lombardo)
Comi sardinhas em momentos e situações diferentes, em Portugal. Um delas foi há dois anos, numa tarde, num vilarejo próximo ao Porto. Uma família preparou sardinhas na brasa para mim e outros colegas, em
A sardinha, de fato, é um
peixe popular. E que bom. Quando eu era menino e morava no interior de São Paulo, duas
vezes por semana passava na minha rua uma caminhonete com a carroceria lotada
de sardinhas mergulhadas em gelo. A chegada do peixe era anunciada pelo
motorista/vendedor, com um megafone: “eeeeh a sardinhaaaaaa…. é a sardinha
fresca do maaaar …”. Minha mãe comprava religiosamente os
peixes nas duas vezes semanais que o veículo passava. Um quilo, um quilo e
meio. E nossa família se deliciava com preparos simples, pratos de sabores
familiares. O verdadeiro confort food.
Um preparo clássico da
minha família era o “Escabeche de Sardinhas com Polenta”. Escamas, cabeças e vísceras dos peixes eram retirados. O fundo de uma panela era regado com um
pouco de azeite, coberto com rodelas de cebolas e tiras de pimentões vermelho e
amarelo. Sobre essa cama eram acomodadas algumas sardinhas, cobertas com funcho,
fatias de tomate fresco, ervas aromáticas, azeitonas, pimenta vermelha fatiada
e alguns dentes de alho. Dependendo do tamanho do panela, uma ou duas novas
camadas eram adicionadas. Tudo era temperado com sal e pimenta-do-reino. Por
último, o preparo era regado com vinagre, e pelo menos o dobro de azeite de
oliva. A panela era levada ao fogo brando e cozinhava por cerca de 1 hora e
meia a 2 horas. Paralelamente, era preparada uma polenta firme.
Na hora de servir, os cubos
de polenta eram acomodados no centro de um prato. Em cima entravam as
sardinhas, tenras, untuosas e perfumadas. O molho de azeite regava o peixe, com
todos os vegetais, pode-se dizer, confitados. E aquele “molho” cobria a
polenta, levando ao paladar um conjunto de sabores mediterrâneos, simples e
plenos. Muito bom!
O cuscuz paulista de sardinhas
também era um clássico de minha casa. Aliás, minha mãe era mestre em fazer
cuscuz. As sardinhas eram fritas e acomodadas nas paredes e fundo de uma forma de
pudim. Um massa feita com farinha de milho, muito azeite, cebola, pimentões,
ervas e temperos diversos cobria as sardinhas. Ao ser desenformado, o cuscuz
exalava um perfume maravilhoso, irresistível. E exibia o peixe preso às
laterais do enformado. Devorá-lo em fatias, com as próprias mãos, era um prazer
indescritível.
As sardinhas no prato (foto de João Lombardo)
As sardinhas estão
intimamente ligadas à minha infância. Pratico receitas com o peixe até hoje, entre elas, as receitas de infância. Lamento não encontrar sardinhas nos cardápios de restaurantes que servem pescados e frutos do mar. Lamento não ver receitas contemporâneas com esse peixinho que emprestava seu sabor a um outro prato familiar, o Spaghetti alle Sarde. Um produto que poderia trazer surpresas deliciosas ao paladar.
Para os que gostam, reproduzo a seguir a
receita do Escabeche de Sardinhas, com uma pequena alteração: menos vinagre e a
entrada do vinho branco, para tornar o prato compatível com vinhos. No link do youtube você vê o preparo, passo-a-passo e conhece uma dica de vinho para acompanhar.
O escabeche, pronto (foto de João Lombardo)
Escabeche de Sardinhas
800 g de sardinhas limpas,
sem cabeças e vísceras
3 cebolas cortadas em
rodelas
4 dentes de alho laminados
2 folhas de louro fresco
(ou seco, se não tiver)
1/3 de xícara de salsa
picada
¼ de xícara de folhas de
manjericão fresco
Tiras de ¼ de pimentão
amarelo e ¼ de pimentão vermelho
½ xícara de bulbo de funcho
fresco fatiado
4 tomates de bom tamanho
fatiados
200 ml de vinho branco seco
50 ml de vinagre de vinho
branco ou maçã
250 ml de azeite de oliva
50 g de azeitonas pretas
fatiadas
50 g de alcaparras
Sal
Pimenta do Reino
Modo de fazer:
·
Regue o
fundo de uma panela com um pouco de azeite de oliva.
·
Cubra o
fundo com metade das rodelas de cebola, das tiras de pimentões e algumas folhas
de manjericão.
·
Sobre
essa cama, acomode metade das sardinhas
·
Sobre as
sardinhas, salpique o alho, distribua as tiras de erva-doce, o louro e as
alcaparras.
·
Tempere
com sal e pimenta-do-reino.
·
Cubra com
metade das rodelas de tomate e salpique azeitonas pretas. Dê mais um toque de
sal.
·
Repita a
operação, fazendo novamente cada uma das camadas. Termine com o tomate e as
azeitonas.
·
Regue,
então, com o vinho branco, o vinagre e o azeite de oliva.
·
Leve a
panela ao fogo brando, tampe metade da panela e deixe cozinhar por cerca de uma
hora e meia. Não deixe ferver forte, o importante é que o cozimento seja suave.
·
Desligue
e deixe esfriar.
·
Você pode
servir no mesmo dia ou deixar para o dia seguinte, quando terá mais sabor.
·
Sirva
sobre polenta amarela ou branca ou com pão, de preferência uma bela focaccia.
Sugestões de vinhos e
cervejas para acompanhar:
Vinho Verde ou Alvarinho,
se pensar em Portugal.
Grecco di Tufo da Campânia
ou branco siciliano de Grillo e Inzolia, se pensar em Itália.
Verdejo, para quem vai de
Espanha.
Riesling, para pensar em
alemães.
Um rosé da Provence, para
beber a França.
Para os cervejeiros, uma
Pilsen ou Weissbier.
Saúde!