Tenda do Nilo, discreto numa esquina (foto João Lombardo)
Cruzamento das ruas Coronel Oscar Porto e Abílio Soares,
bairro do Paraíso, São Paulo. Quem passa de carro por essa esquina vê um
pequeno estabelecimento com mesas na calçada. Na fachada do toldo de cor
amarelo-creme, o nome do estabelecimento: Tenda do Nilo. Mais parece um bar
típico das esquinas de São Paulo. Não é. Nesse discreto endereço fica um dos
melhores e mais premiados restaurantes de cozinha árabe de São Paulo. Vale a
pena estacionar, acomodar-se numa mesa e se fartar com os deliciosos pratos do cardápio.
O Tenda do Nilo é pequeno. Ele funciona nessa esquina há 16
anos. Contei doze mesas de dois lugares cada, sendo que quatro ficam na
calçada. Realmente pequeno, na estrutura. No entanto, grande na
cozinha.
4 x 1, as pastas clássicas mais o Mhamar, embaixo, à direita (foto João Lombardo)
No comando da casa estão as irmãs Olinda e Xmune Isper.
Xmune trabalha numa pequena cozinha de aproximadamente 4 metros quadrados. Dali
saem as especialidades da casa. Entre elas, o Mhamara, a Salada de Berinjelas,
o Trigo com Costela Bovina Desfiada e o Fatte, um prato à base de torrada de
pão, carne com grão de bico, coalhada fresca, alho e castanhas na manteiga. No
quesito sobremesa, a casa oferece o Mil e Uma Noites, um doce à base de
semolina, nata fresca e muito pistache.
Entre os clássicos, provei o Homos, Babaganuj e a Coalhada
Seca . E o Mhamara, uma pasta de pimentões vermelhos com nozes e especiarias,
realmente de cair de joelhos. O Mhamara é perfumado. Da cor vermelho ocre
brotam aromas doces de pimentão e especiarias. Em boca, uma gostosa tendência
doce amacia um sutil toque picante. Fantástico. A Coalhada seca é suave, tem um
toque de acidez na medida, seguido de uma cremosa maciez. O Babaganuj é
levemente defumado, toque de alho perfeito, acidez no ponto, equilibrio. O
Homos é suave, também com discreto toque de acidez, contraponto da tendência
doce do grão de bico. Tudo com pão árabe.
O Quibe Cru, antes de ser devorado (foto João Lombardo)
Na hora comer as pastas, Olinda entrou em cena. Ela veio à
mesa falar sobre o Mhamara e mostrar como comer as pastas. Também disse que os
árabes não colocam limão no quibe frito, mas Coalhada. Coloco coalhada no quibe
frito. Sempre coloquei. É muito bom.
Assim que chegou o Quibe Cru, Olinda voltou à mesa. Ela
explicou que as pétalas de cebola e as folhas de hortelã não devem ser picadas
sobre o quibe, mas colocadas inteiras e regadas com azeite de oliva. Olinda é
simpática e agitada. Ela fecha contas, ajuda a atender as mesas e recebe os
clientes com um amigável habibe. E também procura educar os comensais com dicas
de como os árabes consomem seus produtos.
O Quibe Cru também estava com a pimenta síria na medida. As
pétalas de cebola agregaram um toque doce ao conjunto. O azeite e a hortelã
refrescaram o preparo e o paladar. Muito bom!
Os Charutos e o Trigo Cozido com Costela Desfiada (foto João Lombardo)
Chegaram então os pratos principais. Charuto de Folha de
Uva, um clássico, e Trigo com Costela Bovina Desfiada, que eu não conhecia. Já
havia provado trigo com frango e amêndoas tostadas na manteiga. Gostei muito
esse prato do Tenda do Nilo. O trigo estava bem cozido, tenro. O sabor tinha
uma marcada tendência típica, vinda do próprio ingrediente e também de
uma especiaria que me pareceu canela. No conjunto, a costela desfiada
trouxe uma nota salgada e equilibrou o gosto do preparo. Algumas bolotas de
grão de bico acrescentavam mais sabor e complexidade ao prato.
Não bebi, estava dirigindo. O Tenda do Líbano oferece, para
acompanhar seus pratos, uma cerveja libanesa com a qual fiquei curioso. Ficou
para a próxima.
A comida árabe costuma ser muito perfumada e marcada por
notas de especiarias. Ela é companheira de vinhos macios, com bom frescor e um
toque aromático. Tintos de Syrah, Cabernet Franc, Cabernet Sauvignon. Brancos
de Sauvignon, quem sabe um Viognier e até mesmo um Gewürztraminer nos pratos mais aromáticos. Vale a ousadia.
O Quibe Frito, do qual não falei, mas que estava igualmente fantásico (JL)
Foi uma refeição e tanto. Confesso que, pelo conjunto da
obra e particularidades de cada prato, foi a melhor refeição libanesa que fiz
nos últimos dez anos.
Uma esquina particular. Aliás, aí está um dos prazeres da
gastronomia. Descobrir pequenos cantos, lugares despojados e fantásticos.
Restaurantes administrados por famílias, que optaram por ser pequenas e praticam receitas ainda com um toque caseiro.
Mas muito profissionalismo. Receitas que poderiam ficar intramuros e graças
ao trabalho de irmãs como Olinda e Xmune, podemos provar delas e contar às pessoas
que esses lugares simplesmente especiais existem.
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