terça-feira, 21 de julho de 2015

Um almoço das arábias


Tenda do Nilo, discreto numa esquina (foto João Lombardo)

Cruzamento das ruas Coronel Oscar Porto e Abílio Soares, bairro do Paraíso, São Paulo. Quem passa de carro por essa esquina vê um pequeno estabelecimento com mesas na calçada. Na fachada do toldo de cor amarelo-creme, o nome do estabelecimento: Tenda do Nilo. Mais parece um bar típico das esquinas de São Paulo. Não é. Nesse discreto endereço fica um dos melhores e mais premiados restaurantes de cozinha árabe de São Paulo. Vale a pena estacionar, acomodar-se numa mesa e se fartar com os deliciosos pratos do cardápio.

O Tenda do Nilo é pequeno. Ele funciona nessa esquina há 16 anos. Contei doze mesas de dois lugares cada, sendo que quatro ficam na calçada. Realmente pequeno, na estrutura. No entanto, grande na cozinha.

4 x 1, as pastas clássicas mais o Mhamar, embaixo, à direita (foto João Lombardo)

No comando da casa estão as irmãs Olinda e Xmune Isper. Xmune trabalha numa pequena cozinha de aproximadamente 4 metros quadrados. Dali saem as especialidades da casa. Entre elas, o Mhamara, a Salada de Berinjelas, o Trigo com Costela Bovina Desfiada e o Fatte, um prato à base de torrada de pão, carne com grão de bico, coalhada fresca, alho e castanhas na manteiga. No quesito sobremesa, a casa oferece o Mil e Uma Noites, um doce à base de semolina, nata fresca e muito pistache.

Entre os clássicos, provei o Homos, Babaganuj e a Coalhada Seca . E o Mhamara, uma pasta de pimentões vermelhos com nozes e especiarias, realmente de cair de joelhos. O Mhamara é perfumado. Da cor vermelho ocre brotam aromas doces de pimentão e especiarias. Em boca, uma gostosa tendência doce amacia um sutil toque picante. Fantástico. A Coalhada seca é suave, tem um toque de acidez na medida, seguido de uma cremosa maciez. O Babaganuj é levemente defumado, toque de alho perfeito, acidez no ponto, equilibrio. O Homos é suave, também com discreto toque de acidez, contraponto da tendência doce do grão de bico. Tudo com pão árabe.

O Quibe Cru, antes de ser devorado (foto João Lombardo)

Na hora comer as pastas, Olinda entrou em cena. Ela veio à mesa falar sobre o Mhamara e mostrar como comer as pastas. Também disse que os árabes não colocam limão no quibe frito, mas Coalhada. Coloco coalhada no quibe frito. Sempre coloquei. É muito bom.

Assim que chegou o Quibe Cru, Olinda voltou à mesa. Ela explicou que as pétalas de cebola e as folhas de hortelã não devem ser picadas sobre o quibe, mas colocadas inteiras e regadas com azeite de oliva. Olinda é simpática e agitada. Ela fecha contas, ajuda a atender as mesas e recebe os clientes com um amigável habibe. E também procura educar os comensais com dicas de como os árabes consomem seus produtos.

O Quibe Cru também estava com a pimenta síria na medida. As pétalas de cebola agregaram um toque doce ao conjunto. O azeite e a hortelã refrescaram o preparo e o paladar. Muito bom!

Os Charutos e o Trigo Cozido com Costela Desfiada (foto João Lombardo)

Chegaram então os pratos principais. Charuto de Folha de Uva, um clássico, e Trigo com Costela Bovina Desfiada, que eu não conhecia. Já havia provado trigo com frango e amêndoas tostadas na manteiga. Gostei muito esse prato do Tenda do Nilo. O trigo estava bem cozido, tenro. O sabor tinha uma marcada tendência típica, vinda do próprio ingrediente e também de uma especiaria que me pareceu canela. No conjunto, a costela desfiada trouxe uma nota salgada e equilibrou o gosto do preparo. Algumas bolotas de grão de bico acrescentavam mais sabor e complexidade ao prato.

Não bebi, estava dirigindo. O Tenda do Líbano oferece, para acompanhar seus pratos, uma cerveja libanesa com a qual fiquei curioso. Ficou para a próxima.

A comida árabe costuma ser muito perfumada e marcada por notas de especiarias. Ela é companheira de vinhos macios, com bom frescor e um toque aromático. Tintos de Syrah, Cabernet Franc, Cabernet Sauvignon. Brancos de Sauvignon, quem sabe um Viognier e até mesmo um Gewürztraminer  nos pratos mais aromáticos. Vale a ousadia.

O Quibe Frito, do qual não falei, mas que estava igualmente fantásico (JL)

Foi uma refeição e tanto. Confesso que, pelo conjunto da obra e particularidades de cada prato, foi a melhor refeição libanesa que fiz nos últimos dez anos.

Uma esquina particular. Aliás, aí está um dos prazeres da gastronomia. Descobrir pequenos cantos, lugares despojados e fantásticos. Restaurantes administrados por famílias, que optaram por ser pequenas e praticam receitas ainda com um toque caseiro. Mas muito profissionalismo. Receitas que poderiam ficar intramuros e graças ao trabalho de irmãs como Olinda e Xmune, podemos provar delas e contar às pessoas que esses lugares simplesmente especiais existem.

 Serviço:

Tenda do Nilo
Rua Coronel Oscar Porto, 638 - Paraíso - SP
Fone: 00 55 (11) 3885-0460

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