segunda-feira, 4 de maio de 2015

À mesa no Zé da Mouraria


É uma casa portuguesa, com certeza (foto de João Lombardo)

Portugal é um país repleto de pequenas tascas, marisqueiras e restaurantes que oferecem comida típica e contemporânea a preços muito justos. Fui presenteado com uma indicação, recentemente, o Zé da Mouraria, restaurante lisboeta que oferece uma boa mostra da típica e legítima culinária portuguesa. A preços excelentes.

O Zé da Mouraria fica na rua João Outeiro número 24, entrada do famoso bairro Mouraria, formado a partir do ano de 1.147, depois que o rei D. Afonso Henriques conquistou Lisboa e confinou os mouros nessa parte da cidade.  O bairro está localizado numa encosta da colina de São Jorge, à sombra do majestoso castelo que tem o mesmo. Escadarias e ruas estreitas, onde roupas balançam penduradas junto às janelas e varandas das casas e edifícios, marcam o cenário urbano local desse bairro que tem forte ligação com o fado. Nasceram ali alguns famosos compositores e cantores do gênero.

Roupas nas janelas, cena típica da Mouraria (Foto de João Lombardo)


O fado, como inspiração (foto de João Lombardo)

O Zé da Mouraria é um restaurante pequeno. Mas é bastante aconchegante. O salão tem as paredes parcialmente revestidas de azulejos. Na parte superior, quadros e muitas fotografias. O chef é um português do Minho, Virgílio Oliveira. Ele comprou a casa há pouco mais de 15 anos. Conta que o endereço é centenário e que, no passado, se chamava “Zé dos Grelhados”. Virgílio deixou os hotéis, inclusive em Luanda, e levou sua experiência para a pequena cozinha do Zé da Mouraria.

O salão, com azulejos, fotos, quadros (foto de João Lombardo)

“Servimos uma comida à moda antiga”, afirma Virgílio. A cozinha é aberta e pode-se ver todo o trabalho de confecção e montagem dos pratos. O que se põe à mesa são receitas repetidas há 90, 100 anos pelas donas-de-casa portuguesas. Com pequenas mudanças, claro. Por exemplo, no lugar de banha, usa-se azeite, uma gordura vegetal. Mas isso, segundo Oliveira, não compromete o sabor das receitas, ao contrário, melhora.

Joaquinzinhos, chouriça, arroz de coentros, queijo, azeitonas (foto de João Lombardo)

Comecei pelas azeitonas, o pão e o queijo de leite de ovelha. Vieram, então, Joaquinzinhos Fritos, pequenos carapaus enfarinhados e temperados apenas com sal. Simplesmente deliciosos. Eles lembraram-me os deliciosos lambaris, peixes que pescávamos, nos rios, fritávamos e comíamos com cerveja. Virgílio serviu também chouriça (linguiça curada de carne) frita em azeite com alho e piri-piri fresco (a pimenta dedo-de-moça). Essa entrada, mais forte e igualmente muito saborosa, foi acompanhada por um perfumado arroz de coentros, um prato cheio para quem aprecia essa erva. Tudo feito na hora, à minha frente.

Veio então o astro da refeição: “Arroz de Pato Antigo”. A porção revelou-se gigantesca (assim como a dos demais pratos). A propósito, em Portugal porção se chama dose. E aquela era dose para pelo menos quatro pessoas.  

Arroz de Pato Antigo (foto de João Lombardo)

Acompanhei a finalização do preparo do Arroz de Pato. Virgílio explicou-me os passos da receita, segundo a tradição. De véspera, tempera-se o pato. No dia seguinte, a carne é levada para assar até ficar bem dourada. Aí, o pato já assado vai para a panela, para preparar o caldo onde será cozido o arroz. O caldo é preparado com cebola, alho e ervas. Nesse cozimento, o sabor do pato é transferido para o caldo. Retirado do caldo, a carne do pato é desfiada e reservada. E o arroz, cozido no caldo. Fritam-se fatias de chouriça e de bacon, para guarnecer o enformado.

Na montagem, uma generosa porção de arroz cozido em caldo de pato cobre o fundo de uma vasilha de alumínio espesso. Sobre o arroz entra a carne de pato desfiada, generosamente, coberta por mais um pouco de arroz. Sobre o arroz são intercaladas fatias de bacon e chouriça. O prato é levado para o forno, para dar uma rápida assada.

O leite-creme, antes de ser queimado (foto de João Lombardo)

O que vem à mesa é um preparo clássico, bem temperado, arroz cozido no ponto, pato tenro e saboroso. O Arroz de Pato à Antiga é um dos pratos mais pedidos no Zé da Mouraria. Ele brilha ao lado de outros como o Bacalhau Assado (em churrasqueira) com Batatas ao Murro e Grãos; Iscas à Portuguesa; Chocos no Alhinho (sépia); Cabrito à Moda Minhota; Antigo Bife ao Molho de Cerveja e a Carne de Porco no Alguidar, feita com vinho Verde tinto. Para citar alguns.

Acompanhei a refeição com o vinho da casa, o Xico Pé Descalço, um tinto macio elaborado na região de Palmela, cujo rótulo traz uma caricatura de Virgílio Oliveira. Um vinho versátil, uma síntese para os pratos do cardápio. No final, Leite Creme queimado à mesa.

 O vinho Xico Pé Descalço (foto de João Lombardo)

Cheguei ao restaurante próximo às 14 horas, num dia de semana. A casa já não estava tão cheia. Fui prontamente e bem atendido. Tanto o chef quanto os garçons mostraram-se muito atenciosos. Os pratos, com porções generosas, não demoraram e boa parte deles custava menos de 20 Euros. Um pequeno restaurante que entrou para a minha lista dos preferidos de Lisboa.




Nenhum comentário:

Postar um comentário